O Papel da Força Aérea no
Desenvolvimento Nacional:
O Exemplo Brasileiro
Desenvolvimento Nacional:
CORONEL-AVIADOR REFORMADO JOÃO VIEIRA DE SOUSA,
FORÇA AÉREA BRASILEIRA
ANTES DE DARMOS início ao assunto a ser aqui tratado, julgamos importante que nossos leitores conheçam um pouco da História do Brasil. Assim, acreditamos que compreenderão melhor a importância da Força Aérea para a integração e o desenvolvimento deste nosso país-continente. Descoberto em 1500 pelos portugueses, sua superfície deveria representar um terço da que é hoje, 8.112.000 quilômetros. A razão desta diferença é que o Tratado de Tordesilhas, acordado entre os reis de Portugal e da Espanha em 1494, estabeleceu um meridiano a leste do qual todas as terras descobertas pertenciam a Portugal e, a oeste, à Espanha. Ora, depois de descoberto o Brasil, houve várias negociações sobre esse limite. Os portugueses, em busca de ouro, pedras preciosas e de índios para o trabalho escravo em fazendas e plantações, foram tomando posse de imensas áreas pertencentes aos espanhóis. Essas expedições dos portugueses, que eram realizadas com grandes grupos de homens e de mulheres, armados, perduraram do final do século XVI ao começo do século XVIII. Elas penetravam por mais de 1.000 quilômetros do ponto de partida, que era a Vila de São Vicente, hoje São Paulo. Grande parte dessas pessoas não regressava. A maioria delas, por motivos vários, criava pequenos povoados ao longo de sua rota. Os que regressavam traziam índios escravizados e contavam muitas estórias exageradas sobre minas. Como o período dessas expedições, que passaram a ser denominadas bandeiras, durou cerca de 200 anos, esses pequenos povoados serviam de apoio às outras expedições. Alguns deles se transformaram em pequenas vilas e cidades que eram ligadas, entre si, apenas por trilhas. Como foi dito anteriormente, o interior do Brasil, aí compreendida a Amazônia Legal, com pouco mais de 6.000.000 km2, só havia sido penetrado, em parte, pelos bandeirantes e pelas equipes do General Rondon. Todas as ligações eram fluviais, ao longo do Rio Amazonas e de outros grandes rios ao longo do litoral de 8.000 quilômetros, por navios de cabotagem.
As razões principais do grande atraso nas nossas comunicações terrestres para o interior eram altas montanhas que, ao longo e próximas do mar, estendiam-se da Bahia ao Rio Grande do Sul, além da Mata Atlântica que existia entre elas e o mar. Esse trecho, pela própria natureza do clima, dos colonizadores e dos imigrantes, era muito mais desenvolvido do que aquele que ligava as cidades do Nordeste e do Norte.
Praticamente só havia ligações precárias, para o interior, além de 500 quilômetros da costa, com os estados de Minas Gerais, riquíssimo em ouro e pedras preciosas e o de Goiás, em pedras preciosas. Essas riquezas, até a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, eram quase todas levadas para Portugal, de quem éramos uma de suas muitas colônias.
Cândido Mariano da Silva Rondon, nascido no Mato Grosso em 1865, formou-se na Escola Militar em 1888. Em 1890, diplomou-se em engenharia militar. Era bacharel em matemática e em ciências naturais e físicas. Mais tarde, como capitão, foi nomeado ajudante da Comissão Construtora de Linhas Telegráficas, cujo objetivo era ligar as grandes cidades do litoral ao interior do país através de telegrafia por fio. Fez a ligação ferroviária de Cuiabá ao Araguaia (rio). De 1900 a 1906, como major, construiu 1.800 quilômetros de linhas telegráficas para o interior com 17 estações telegráficas, além de muitas outras que já havia construído. Era descendente de índios e falava vários dialetos. Em 1915, levou as linhas telegráficas até o Amazonas através de 1.450 quilômetros de circuitos e de 20 estações intermediárias. O trabalho dele e de suas equipes era feito através da floresta da Amazônia Legal.
Como coronel, fez levantamentos topográficos em grandes regiões de Goiás, Mato Grosso e da Amazônia. Foi o maior desbravador do interior do Brasil e o seu pessoal, como os integrantes das Bandeiras, criou centenas de pequenos povoados. No caso dele, os índios participavam como membros de suas equipes. Era a consolidação da expansão territorial.
Já a partir de 1927, grande parte das cidades brasileiras estavam ligadas, entre si, pela telegrafia com fio, mas ainda com bastante dificuldade. A navegação fluvial e os navios de cabotagem, ao longo de seus 8.000 quilômetros de litoral eram, até então, os únicos meios de comunicação a longa distância. O General Rondon, como ficou conhe-cido, foi o primeiro Presidente do Serviço de Proteção aos Índios, criado em 1910. Foi o maior batalhador pela doutrina do huma-nismo em relação aos índios, que muitas vezes o atacaram. O seu lema era: ”morrer se preciso for; matar nunca”. É o patrono da Arma de engenharia do Exército. Faleceu no Rio, em 1958.
Enquanto Rondon ligava o interior do Brasil às cidades mais importantes, desenvolvia-se, no Estados Unidos, e em outros países europeus, o automóvel. Sendo a floresta amazônica muito rica na produção do látex para fabricação de pneus, Manaus, capital do Amazonas, ligada ao mar pelo Rio Amazonas, tornou-se uma cidade muito importante por centralizar toda a borracha do interior da Amazônia, para exportação. Sendo o rio muito largo e profundo, Manaus recebia, direta-mente, os navios estrangeiros, mas não era ligada por estrada de rodagem a qualquer outra cidade. Ao longo do Rio Amazonas havia outras cidades menores que Manaus e ligadas entre si apenas, naquela época, por transporte fluvial. Era a busca do látex para a fabricação de pneus.
Na segunda metade do século XIX era muito usado o balão para vários fins. Em 25 de julho de 1857, o Exército Brasileiro, na Guerra do Paraguai, fez doze ascensões em balões, com a finalidade de localizar e de observar as tropas inimigas. Eles eram, sempre, presos ao solo por cabos. Na Europa era grande o uso de balões. A primeira ascensão no Brasil foi feita no Rio de Janeiro pelo aeronauta francês Edouard Heil, em 11 de novembro de 1855.
Paris, como sempre, era o centro das artes e do desenvolvimento tecnológico. Lá, no final do século XIX, a grande novidade era o desenvolvimento da telefonia, dos automóveis e a disputa pela primazia da dirigibilidade dos balões e do vôo autônomo do mais-pesado-que-o-ar. Por essa ocasião chegou a Paris o brasileiro Alberto Santos- Dumont, nascido em 20 de julho de 1873, em Palmira, Minas Gerais.
Apreciador da mecânica, Santos-Dumont integrou-se ao grupo de jovens entusiastas dos balões. Em 1898 ele procurou os autores de um livro sobre balões que havia lido, Lachambre e Machuron, e fez várias ascensões em balões por eles construídos e alugados. Ele, impressionado com as ascensões, passou a estudar a construção de balões e projetou um pequeno, redondo, que mandou fosse cons-truído pelos novos amigos. O balão era tão pequeno que só podia levar uma pessoa, com o peso máximo de 60 quilos. Ele pesava quase 60 quilos. Deu o nome de Brasil ao seu primeiro balão. A partir daí iniciou seus projetos de balões, já pensando em concorrer ao Prêmio Deutsch de la Meurthe, que seria dado ao balonista que, saindo de Saint Cloud, contornasse a Torre Eiffel e regressasse ao ponto de partida em 30 minutos, no máximo.
Ele, que já havia feito algumas tentativas com o seu balão nº 5, construiu o nº 6 por ter sido acidentado com o nº 5. O nº 6 tinha 622 m3 e o mesmo motor de 16 cavalos já utilizado no nº 5. No dia 6 de setembro de 1901, fez a prova com êxito e ganhou o prêmio de 100.000 francos que fez distribuir entre os pobres de Paris e aos seus auxiliares. Resolvido o problema da dirigibilidade, voltou-se, com seus amigos do Aeroclube de France, para o problema dos mais-pesados-que-o-ar. O Aeroclube oferecia um prêmio de 1.000 francos a quem realizasse um vôo, com uma aeronave mais-pesada-que-o-ar, e que decolasse por meios próprios, sem auxílio externo e voasse uma distância mínima de 25 metros.
Santos-Dumont, mais uma vez, diante de uma comissão do Aeroclube que controlava a prova, de centenas de curiosos e de dezenas de repórteres, realizou, no dia 23 de outubro de 1906, no Campo de Bagatelle, um vôo de 60 metros de distância, cerca de 2 a 3 metros de altura, em seu avião 14-Bis. O sucesso foi muito grande, pois a prova era aberta a qualquer piloto.
No dia 12 de novembro, no mesmo avião e diante da mesma comissão, decolou e realizou um vôo de 220 metros de distância e cerca de 6 a 7 metros de altura. Além do prêmio de 1.000 francos, ganhou a Taça Archdeacon. Por esta razão, Santos-Dumont é considerado, no Brasil, o “Pai da Aviação” e o dia 23 de outubro, o “Dia do Aviador”. Está relacionado no Aeroclube de France como piloto nº 1 do mundo.
Continuando em suas pesquisas e invenções, em 1908 começou a voar no Demoiselle, que era parecido com os primeiros ultraleves que apareceram há alguns anos. Nunca tirou patente de seus inventos, pois achava que todo mundo devia aprender a voar. Por motivo de saúde, afastou-se do vôo em 1909, mas nunca deixou de incentivar seus colegas e amigos de luta — Voisin, Blériot, Farman e outros — pela primazia de voar, por meios próprios, um mais-pesado-que-o-ar. Blériot, por exemplo, já em 25 de julho de 1909 fazia a travessia do Canal da Mancha em 37 minutos de vôo sobre o mar.
Esses feitos de Santos-Dumont criaram, nos jovens brasileiros, uma admiração muito grande pela aviação, que estava dando os seus primeiros passos. Já no final de 1908, chegou a São Paulo o primeiro avião trazido pelo filho de um rico fazendeiro. Era um Voisin, que veio encaixotado. Esse avião, por ter sido montado por pessoas não qualificadas, nunca conseguiu voar. Em 1910, em São Paulo, um piloto francês, Demetries de Lavaud, e um torneiro-mecânico brasileiro, Lourenço Pellegati, consultando revistas e desenhos, cons-truíram um avião, colocaram nele um motor de 28 cavalos, rodas de bicicleta e conseguiram, no dia 7 de janeiro de 1910, voar 10 segundos, percorrendo 106 metros.
A partir de 1910, começaram a aparecer, no Rio e em São Paulo, aviadores que faziam demonstrações pagas. Brasileiros tentavam construir aviões, mas estes não conseguiam voar. No dia 25 de dezembro de 1910, o piloto italiano Giulio Piccolo faleceu numa decolagem, para uma demonstração, ao bater na arquibancada do campo. Seu companheiro, Germano Ruggerone, consegue decolar no dia 31 de dezembro de 1910. Essas demonstrações cada vez mais incentivaram os jovens brasileiros. As Forças Armadas — Marinha e Exército — acompanhavam o desenvolvimento desse novo meio de transporte que, ainda no início, já muito prometia como arma de guerra.
O Ten. Moller, da Marinha brasileira, é brevetado em 29 de abril de 1911, em Etampes, sendo o primeiro piloto militar brasileiro. Em 22 de outubro de 1912, na mesma escola, é brevetado o segundo piloto militar — o Ten. Ricardo Kirk, do Exército. O primeiro civil brevetado, na França, foi o jovem brasileiro Edu Chaves, em 28 de julho de 1911. Quando voltou para São Paulo, em 1912, trouxe um avião Blériot e fez um campo de pouso em sua Fazenda Guaripa, perto de Cumbica. Logo depois de pronto o campo, começou a dar instrução de pilotagem. Com o início da Primeira Guerra Mundial, candidatou-se a piloto do Exército francês, não conseguindo por motivos de ordem diplomática. Assim sendo, alistou-se na Legião Estrangeira e lutou cerca de três anos na aviação francesa. É tido como tendo sido o pioneiro em ataque noturno às forças alemãs. Foi o primeiro piloto brasileiro a fazer o reide São Paulo—Rio, em 5 de julho de 1914, e Rio de Janeiro—Buenos Aires, em 29 de dezembro de 1920. Vários pilotos acidentaram-se antes nesse trajeto, havendo alguns deles falecido. É bom salientar que ainda não havia campos de aviação nessa rota.
Em face do grande desejo dos jovens militares brasileiros de voar, a Empresa Gino, Bucceli e Cia propôs ao Ministério da Guerra, no final de 1912, a criação de uma escola de pilotagem com a flotilha de 11 aviões de diversos tipos, a importação e a montagem de cinco hangares, uma oficina e o compromisso de formar 50 pilotos nos primeiros três anos dos cinco anos de validade do contrato. Após este prazo, todo acervo da empresa reverteria para o Exército.
Aceita a proposta, foi criada em 18 de janeiro de 1913 a Escola Brasileira de Aviação, que iniciou suas atividades em 2 de fevereiro de 1914 com vinte alunos da Marinha e do Exército. Aliás, o ano de 1913 foi de grande atividade aérea no Brasil por aviadores estrangeiros fazendo reides e demonstrações aéreas.
Dificuldade de instrutores, acidentes cons-tantes, deficiência grande de suprimento de peças de reposição e o início da Primeira Guerra Mundial, em 28 de julho de 1914, concorreram para o fechamento da Escola e a entrega de todo o seu acervo ao Exército Brasileiro que, por sua vez, o entregou ao Aeroclube Brasileiro, que também veio ins-talar-se nos Afonsos logo depois de sua criação, em outubro de 1911. O fechamento da Escola atrasou muito o desenvolvimento da aviação brasileira.
Em 17 de dezembro de 1913, o Presidente do Estado de São Paulo, por razões políticas e de segurança de seu governo, criou a Escola de Aviação da Força Pública, sendo seu primeiro diretor o aviador Edu Chaves. Na sua primeira turma foram matriculados 43 militares e civis, mas, por problemas semelhantes aos ocorridos com a Escola Brasileira, no Rio, só funcionou por seis meses, e durante este tempo só formou um único piloto, que era civil.
Em 1914, o Exército, utilizando aviões do Aeroclube Brasileiro, transportou cinco deles de trem para a fronteira do Paraná com Santa Catarina, onde havia um movimento revolucionário conhecido como O Contestado. Três aviões foram destruídos durante a viagem. O Ten. Kirk, com o piloto civil Darioli, eram os pilotos encarregados, pelo Exército, de fazer o reconhecimento da área do conflito. Em sua primeira missão faleceu o Ten. Kirk, que foi o primeiro piloto militar a falecer de acidente, no dia 1º de março de 1915.
No dia 8 de janeiro de 1916, o Presidente da República cria a Escola de Aviação Naval, cujos aviões, bem como a doutrina a ser empregada, seriam americanos. Muitos pilotos formados em sua primeira turma foram alunos da Escola Brasileira em 1914.
O ano de 1915 não foi bom para a aviação brasileira. Além da perda do Ten. Kirk, o Aeroclube Brasileiro, do qual ele era diretor técnico, sofreu grande crise financeira. Na Fazenda dos Afonsos, além das dificuldades para se chegar lá, não havia luz, água, telefone nem meios para evitar que o mato invadisse o campo e que a lama se formasse no winter. Em 11 de abril de 1917, o Brasil corta relações diplomáticas com a Alemanha. Nesse mesmo ano, surge um movimento forte para ser criada a aviação do Exército.
Em janeiro de 1918, um grupo de oficiais aviadores da Marinha vai à Inglaterra para integrar o Royal Naval Air Service, seguido logo de outro. No segundo semestre de 1918, vai outro grupo à Itália.
Em 11 de novembro de 1918 é assinado o armistício.
Enquanto a Marinha já formava os seus pilotos desde de 1917, o Exército ainda negociava, em julho de 1917, junto à Força Aérea Francesa, para receber orientação sobre a criação e organização do seu Serviço Geral de Aviação e verificar a possibilidade de receber uma missão militar francesa para instrução do nosso Exército, nos vários níveis, inclusive no de formação de pilotos militares. Em meados de 1918, antes do fim da guerra, já chegava ao Brasil uma pequena missão militar. Em 29 de janeiro de 1919 é criada a escola de Aviação Militar, que começa a funcionar em 10 de julho do mesmo ano. Em 22 de janeiro de 1920, forma sua primeira turma de aviadores militares.
Vimos que a Marinha seguia a orientação e empregava aviões dos americanos, enquanto no Exército tudo era de origem francesa. É interessante esclarecer que os americanos, no início, também foram instruídos pelos franceses. Os pilotos da Marinha voavam ao longo do litoral, enquanto os do Exército voavam dentro de um cilindro, cujo centro era o Campo dos Afonsos e com 10 quilômetros de raio.
Após a guerra, houve um aumento muito grande das demonstrações aéreas e dos grandes reides pelo Brasil.
Antes mesmo de acabar a guerra, o Sr. Latécoère, francês, que possuía uma fábrica de vagões em Toulouse e que a havia transformado para fabricar aviões, criou uma empresa de transporte postal aéreo objetivando empregar as dezenas de aviões que estavam sobrando em sua fábrica, em Toulouse. Ele empregava antigos pilotos militares que não sabiam fazer outra coisa senão voar. Já tendo chegado a Dacar em 1923, seu desejo era levar o seu correio até o Chile, via Brasil e Argentina. Para isso, ele enviou uma sua equipe de pilotos e três aviões Breguet XIV de navio para o Rio de Janeiro. Desembarcados os aviões, foram transportados para os Afonsos, onde foram montados. Aliás, a aviação do Exército possuía vários desse tipo. Os franceses, com esses aviões, pretendiam fazer o reconhe-cimento da rota Rio—Buenos Aires, o que fi-zeram a partir do dia 25 de janeiro, depois de entendimentos com o Governo brasileiro. Esse reconhecimento também foi feito para Natal. Como o nosso Governo retardou e criou muitos problemas para regular e autorizar os vôos de sua empresa, o Sr. Latécoère vendeu-a, em 1927, a um seu conterrâneo que possuía bancos e empresas de construção no Rio e em Buenos Aires, o Sr. Bouilloux Lafont. Este, com grandes conhecimentos no Rio, mudou o nome da Empresa para Aéropostale e conseguiu que a empresa começasse a funcionar, depois de mandar construir os campos do nosso litoral – Natal, Recife, Salvador, Caravelas, Vitória, Santos, Florianópolis e Rio Grande. O idealizador e o realizador desse feito foi Paul Vachet, que havia feito, em 1925, os reconhecimentos para Buenos Aires e Natal.
Não há dúvida de que esses grandes pioneiros da aviação comercial exerceram também influência muito grande em nossos pilotos militares que realizavam suas atividades, muito limitadas, no Campo dos Afonsos e que estavam sempre conversando com eles quando chegavam de viagem à sua base.
Não há dúvida de que esses grandes pioneiros da aviação comercial exerceram também influência muito grande em nossos pilotos militares que realizavam suas atividades, muito limitadas, no Campo dos Afonsos e que estavam sempre conversando com eles quando chegavam de viagem à sua base.
Os próprios franceses, como constatou-se anteriormente, só voavam pelo litoral do Brasil. Os pilotos militares, contudo, limitados a voar até 10 quilômetros dos Afonsos, começaram a ver que o avião seria o único instrumento capaz de unir as grandes cidades do litoral ao interior deste imenso país. Com essa idéia amadurecendo, a primeira travessia, feita por Mermoz, amigo íntimo deles, em maio de 1930, fez com que essa plêiade de jovens brasileiros lutasse para que fosse criado o Correio Aéreo Militar.
Os grandes rios e as imensas regiões alagadas, até no período sem chuvas, impediam, como impedem até hoje, boas ligações terrestres. As fortíssimas e constantes chuvas des-troem qualquer estrada, até as pavimentadas, em um a dois anos.
A Marinha já possuía, desde 1919, o Correio da Esquadra. Este foi iniciado indo até a Ilha Grande e, posteriormente, alcançando Florianópolis. Operava apenas ao longo do litoral. Era apenas troca de documentos oficiais.
No final da década de 20, o então Ministro da Guerra, General José Fernandes Leite de Castro, tendo em vista os artigos publicados na revista Defesa Nacional sobre a limitação dos vôos dos aviadores militares que já haviam criado um lema: “Rumo ao Brasil, fora dos Afonsos”, resolveu inquirir o Chefe da Missão Francesa sobre essa situação difícil de ser entendida, pois os pilotos franceses, que tinham sua base principal nos Afonsos, a mesma origem de formação de pilotagem que os brasileiros e voavam os mesmos aviões Breguet XIV, já voavam por três continentes e os brasileiros só voavam até uma distância máxima de 10 quilômetros dos Afonsos!
O General Leite de Castro achava que o Exército, em tempo de paz, deveria ter atividades que pudessem ajudar o país a se desenvolver e integrar o seu imenso território. Em conversas com seu ajudante de ordens, que era aviador, e alguns colegas deste, vislumbrou que a aviação militar, a exemplo da Aéropostale, poderia desbravar e integrar o nosso território, praticamente sem qualquer tipo de comunicação terrestre. Dentro deste seu pensamento criou, em julho de 1931, o Correio Aéreo militar.
Nessa sua idéia, inicialmente, os aviões transportariam apenas correspondência e pequenas encomendas. Ele achava que os prefeitos das cidades do interior iriam disputar, entre si, a presença do Correio Aéreo, construindo seus campos de pouso. A certeza de que o avião venceria os enormes obstáculos naturais como a Serra do Mar e a Mata Atlântica criou nele, e nos aviadores militares, a obsessão de voarem além dos 500 quilômetros do litoral e de assegurarem, assim, aos brasileiros, um meio de comunicação muito mais rápido do que os poucos e deficientes existentes na ocasião. O objetivo maior deles era desbravar os seis milhões de quilômetros quadrados da Amazônia Legal, até então só penetrada pelas bandeiras e por Rondon e suas equipes. Aliás, esses brasileiros iriam conhecer o avião antes da bicicleta, do carro, do ônibus e do trem. Entre as cidades, as comunicações terrestres eram feitas por trilhas e as fluviais, por barcos.
Os grandes rios e as imensas regiões alagadas, até no período sem chuvas, impediam, como impedem até hoje, boas ligações terrestres. As fortíssimas e constantes chuvas destroem qualquer estrada, até as pavimentadas, em um a dois anos.
Criado o Correio, a primeira linha inaugurada foi a que ligava o Rio a São Paulo, com uma extensão de 370 quilômetros, no dia 12 de junho de 1931. Logo depois, após um reconhecimento terrestre, em que foram escolhidas as cidades onde pousariam os aviões e os locais dos campos de pouso a serem construídos pelas prefeituras, foi inau-gurada a extensão da linha até Goiás, perfazendo um total de 1.740 quilômetros.
Começa o Correio a penetrar no interior do país, em 12 de outubro de 1931, pousando seus aviões nas cidades de São Paulo, Ribeirão Preto, Uberaba, Araguari, Ipameri, Vianópolis e Goiás.
No final de 1931, o Major Lysias Rodrigues, acompanhado por um mecânico e por um funcionário da Pan American, este sediado em Belém, realizou uma viagem exploratória pelo interior, pelo que veio a ser chamada Rota de Tocantins, nome de grande rio existente na região. No trajeto usaram todo tipo de transporte – avião, trem, ônibus, carro, cavalo, barco e grandes caminhadas. Levaram cerca de 50 dias.
Em todos os lugares por onde passava, o Major explicava os objetivos do Correio, sua importância para o desenvolvimento das populações e escolhia os locais onde os prefeitos deveriam mandar construir os campos de pouso, quando acionados pelo Correio Aéreo.
A presença do funcionário da Pan American devia-se ao fato de que a empresa tinha uma linha Rio—Miami, via Belém, a qual era feita pelo litoral. Pelo interior, haveria grande economia de tempo e de custos.
Como o Major Lysias esteve envolvido em uma revolução em 1932, esteve exilado quase dois anos na Argentina. Anistiado em 1934, regressou ao Brasil e integrou-se novamente ao Correio Aéreo e realizou, no final de 1935, a primeira viagem Rio—Belém pela Rota de Tocantins. Este foi um passo muito importante na penetração para o interior do país.
Em 1933 foram mantidas as mesmas li-nhas, mas suas freqüências dobraram. O desenvolvimento dessas cidades servidas pelo Correio, em dois anos, foi muito grande. Havia uma grande disputa entre os prefeitos para que suas pequenas cidades fossem servidas pelo Correio, pois a saúde e a cultura, principalmente, eram muito melhoradas com a presença dos aviões do Correio, que levavam revistas, jornais e, quando necessário, médico ou enfermeiro e remédios. Convém salientar que as linhas maiores sempre levavam médicos e que as editoras forneciam centenas de revistas que sobravam de suas edições para serem distribuídas nesses lugares distantes.
Enquanto nas primeiras viagens foram empregados os aviões Curtiss Fledgling, com motores de 170 cavalos, foram, logo depois, subs-tituídos pelos aviões Waco-CSO, Bellanca, Beechcraft, C-47 e outros bem mais potentes.
Em 1934, depois de um reconhecimento terrestre, foi estabelecida uma nova linha que seguia o Vale do Rio São Francisco até Fortaleza, com uma extensão de quase 2.500 quilômetros e as seguintes escalas (quase todas localizadas a mais de 500 quilômetros do litoral): Rio—Belo Horizonte, Curvelo, Corinto, Pirapora, Januária, Carinhanha, Lapa, Rio Branco, Barra, Xique-Xique, Remanso, Petrolina, Juazeiro, Iguatu e Fortaleza. As facilidades levadas a essas cidades resultaram, em poucos anos, em um desenvolvimento muito grande.
Para o sul, foi criada, em 27 de julho, uma linha de Porto Alegre para Uruguaiana, fronteira com a Argentina, onde havia unidades do Exército. Pelos bons resultados verificados em relação às unidades militares, no mês seguinte foi criada a linha da fronteira do Mato Grosso, com quase 700 quilômetros. Servia às cidades de Campo Grande, Bela Vista, Ponta Porã, Maracaju e Entre Rios. Nesse ano, já havia 7.600 quilômetros de li-nhas e foram voados 615.785 quilômetros, no total.
Em 1º de janeiro de 1935, a linha do sul foi prolongada em mais de 800 quilômetros, passando por mais seis cidades, quase todas na fronteira, em apoio às unidades do Exército e às prefeituras. No dia 26 de fevereiro passou a funcionar regularmente a Linha Porto Alegre—Rio de Janeiro, com escalas em Florianópolis e Paranaguá. Em 23 de março, foi iniciada a Linha Curitiba—Foz do Iguaçu, que foi, logo depois, prolongada a Guaíra. O total das linhas já atingia 10.280 quilômetros.
Em abril de 1947, já tenente aviador, fizemos parte da tripulação de um C-47, como observador, que faria a viagem de reconhecimento aéreo da rota Rio—Rio Branco no Acre. Já havia campos de pouso do Exército no Estado de Mato Grosso. Também havia outros, no Acre e na Amazônia, usados pelo Sindicato Condor e pela Painar do Brasil. Voando do nascer ao pôr-do- sol e fazendo uns doze pousos, levamos dois dias.
O Brasil, aos poucos, começava a ter suas cidades do interior ligadas entre si e às grandes cidades do litoral, disso obtendo grandes vantagens. Em 14 de novembro de 1935, o Major Lysias, que havia feito, em 1931, o reconhe-cimento terrestre da Rota de Tocantins, realiza a primeira viagem da importantíssima Linha de Tocantins, com 3.500 quilômetros, que atravessava a Amazônia Legal.
Gostaríamos de fazer aqui uma pequena pausa para apresentar um depoimento, dentro do texto deste artigo, que certamente vai corroborar o que aqui temos dito sobre a importância da aviação militar no desenvolvimento do país.
O nosso pai, maranhense, com seu irmão mais velho, possuíam vários seringais na região do Acre, que pertencia à Bolívia. Com a luta armada lá havida entre os brasileiros e os bolivianos e a conseqüente derrota destes, o Brasil comprou os 152.259 km² bolivianos ocupados pelos brasileiros. Essa área se tornou o território do Acre a partir de 3 de novembro de 1903. Com a grande baixa da borracha, nosso pai foi trabalhar para o governo na cidade de Rio Branco, onde nasci em 7 de julho de 1924. No final de 1934 uma de nossas irmãs teve crise de apêndice e, por falta de médico, quase morreu. Em janeiro de 1935 nossa mãe levou-a para Belém para que ela pudesse ser operada. Como não havia escola secundária em Rio Branco, nosso pai nos mandou, também, para cursar o ginásio no Rio de Janeiro. Levamos de barcaça, barca com fundo chato e um convés superior com poucos camarotes, 28 dias até Belém, aí incluídos três dias em Manaus. É necessário esclarecer que essa viagem só é possível no período das chuvas, que dura 4 a 5 meses.
De Belém, viajamos para o Rio de Janeiro, onde ficamos com uns tios até entrarmos para o Internato do Pedro II. Ao terminarmos o científico, fizemos concurso e entramos para a Aviação Militar no Campo dos Afonsos, de onde saímos oficial aviador em 18 de dezembro de 1945.
Em abril de 1947, já tenente aviador, fizemos parte da tripulação de um C-47, como observador, que faria a viagem de reconhe-cimento aéreo da rota Rio—Rio Branco no Acre. Já havia campos de pouso do Exército no Estado de Mato Grosso. Também havia outros, no Acre e na Amazônia, usados pelo Sindicato Condor e pela Painar do Brasil.
Voando do nascer ao pôr-do-sol e fazendo uns doze pousos, levamos dois dias. Em Rio Branco, o horário é menos duas horas. Essa rota, com cerca de 4.000 quilômetros, seria inaugurada pouco tempo depois e com a duração de seis dias. A partir de Rio Branco, era feito um circuito pelos municípios de Xapuri, Sena Madureira, Cruzeiro do Sul e Tarauacá. Essa linha, com freqüência mensal, foi tão importante para o território que o governador comprou um C-47 e o entregou ao Correio Aéreo, para ter uma freqüência quinzenal. O médico, nessa rota e em outras longas e importantes linhas, levavam muitos remédios e davam uma assistência muito grande às populações mais carentes.
Os aviões, no início da criação das linhas do correio, não possuíam qualquer tipo de comunicação rádio. Outro problema também sério era a previsão meteorológica para etapas de três horas sobre uma grande floresta tropical, onde as mudanças do tempo são rápidas.
As cartas de navegação para as Linhas do Tocantins e do Acre apresentavam erros de localização de até 50 milhas terrestres. Por causa disso, um navegador fazia parte das tripulações para correção das mesmas, no início, da Linha do Acre. Mesmo com algumas estações de rádio instaladas na rota, a Linha do Acre era muito preocupante para os tripulantes, pois o alcance dos rádios era muito pequeno e os C-47, no início, só possuíam apenas um radiogônio.
Voltando ao ano de 1936, um dos maiores problemas do Correio era o abastecimento dos aviões, pela dificuldade de colocar gasolina nos campos de pouso das cidades servidas por cada linha, e o abastecimento, propriamente dito, que era feito com latas e um filtro de camurça. Geralmente, o próprio piloto fazia o abastecimento do avião, pelo cuidado que devia ser dado a tal operação.
No ano de 1936 a Linha Rio—Mato Grosso, pelo interior, foi estendida até Assunção, Paraguai, ficando com 1.980 quilômetros de extensão. No final de 1936, o total de linhas já atingia 11.743 quilômetros e, nesse ano, foram voados 1.080.939 quilômetros. É fácil avaliar o desenvolvimento que essas linhas, principalmente as interiores, proporcionaram nessas quase 200 pequenas cidades. A curiosidade e a admiração que criaram nos jovens foi importante para a criação de aeroclubes em um futuro próximo.
Em 1937 foram criadas algumas linhas e outras tiveram suas freqüências aumentadas. Nesse ano, a extensão das linhas passou para 13.878 quilômetros, com um total de 1.316.340 quilômetros voados.
A preocupação maior da direção do Correio era sempre aumentar as ligações para o interior, pois as ligações terrestres, até então, praticamente não existiam. Já em 1938, a extensão foi aumentada para 14.916 quilômetros e foram voados 1.663.409 quilômetros. Nessa época já haviam sido criados alguns pequenos aeroclubes, principalmente nas capitais. Enquanto em 1937 foram transportados 1.016 passageiros, em 1938 esse número foi de 1.072.
No ano de 1939, com aumentos de linhas, sua extensão passou para 19.709 quilômetros e foram percorridos 1.835.703 quilômetros, com 542 passageiros. A concessão de passagens era feita com critérios muito seletivos.
Em 1940, já durante a Segunda Guerra Mundial, houve algumas reduções de freqüência em algumas linhas, tendo sido a extensão reduzida para 19.096 e percorridos 1.541.797 quilômetros.
O ano de 1940 foi muito importante para o desenvolvimento da aviação brasileira e, conseqüentemente, para o país, pois houve duas grandes campanhas para que fossem dadas Asas ao Brasil. Em 1940 e 1941, foram doados mais de 1.000 aviões pequenos aos aeroclubes espalhados pelo Brasil. Como a distribuição dos aviões era a critério dos doadores, foram criados muitos aeroclubes. Todos os jovens queriam ser aviadores. A aviação comercial teve suas tripulações nacionalizadas e os aviões pequenos começaram a fazer ligações entre as pequenas cidades do interior, o que deu origem aos táxis aéreos.
Em 1940 foram transportados cerca de 43 toneladas de correspondência, fora encomendas, pelo Correio Aéreo.
Em 20 de janeiro de 1941, foi criado o Mi-nistério da Aeronáutica, que unificou a Aviação Militar do Exército com a Aviação Naval. Em 20 de fevereiro fundiram-se o Correio Aéreo Militar, CAM, com o Correio Naval, dando origem ao Correio Aéreo Nacional, CAN.
Os nossos leitores, que conhecem o Brasil de hoje (1999), podem ter uma idéia do que esses pioneiros do Correio Aéreo, que voavam em torno do Campo dos Afonsos, em um raio máximo de 10 quilômetros, enfrentaram ao começar, em 12 de junho de 1931, a fazer os seus vôos para o interior do Brasil, em aviões com pouca autonomia, pouquíssimos campos de pouso, praticamente sem qualquer alternativa, e sem o auxílio de um apoio de previsão meteorológica ou de qualquer tipo de balizamento rádio, por não possuírem, seus aviões, equipamento rádio. Com a entrada em serviço de alguns aviões bimotores Beechcraft e Loadstar, em algumas linhas, a segurança de vôo melhorou bastante.
É importante também esclarecer que, já em 7 de maio de 1927, foi criada a Viação Aérea Rio-Grandense, VARIG, que fazia seus vôos em Porto Alegre e ligações com cidades próximas. Em 1º de dezembro de 1927 nacionalizava-se o Condor Syndicat, passando a chamar-se Sindicato Condor, e a partir de 20 de janeiro de 1928 é autorizada a operar. Em 4 de novembro de 1933 foi criada outra empresa de transporte aéreo: Viação Aérea São Paulo S/A — VASP, que só foi autorizada a operar em 31 de março de 1934.
Em 30 de outubro de 1930 a empresa americana Nyrba do Brasil S/A teve sua razão social mudada para Panair do Brasil. As principais linhas dessas empresas eram feitas pelo litoral. A Panair foi a primeira a ir a Manaus e a Condor, pelo interior, criou a Linha Acre que, posteriormente, foi feita com pequenas modificações pelo Correio Aéreo, tendo em vista os campos já existentes. A VASP também fez ligações aéreas para o interior do Estado de São Paulo e Goiás.
O Governo Federal também subsidiava li-nhas das empresas comerciais para o interior, geralmente para cidades que já eram ou já haviam sido servidas pelo CAM, pois o trabalho deste era essencialmente pioneiro.
Com a grande deficiência de comunicações terrestres, mesmo ao longo do litoral e com o perigo de os submarinos alemães e italianos afundarem nossos navios de cabotagem ou os que faziam viagens internacionais, foram aumentadas as freqüências das linhas para o Nordeste.
Tanto os aviões do Correio como os das companhias comerciais foram orientados para observar, em suas rotas litorâneas, a presença de submarinos inimigos.
Até essa época, 1941–1942, os nossos pilotos não faziam ainda viagens por instrumentos. A comercial já voava por instrumentos desde 1938.
Apesar das dificuldades de importação de combustível de aviação, as linhas do Correio Aéreo Nacional, CAN, ainda eram mantidas. Nessa época não havia estradas de rodagem do Rio para o Nordeste. Havia apenas trilhas. O transporte era todo feito por navios.
Em 4 de abril de 1943, a Linha Tocantins foi estendida a Caiena, capital da Guiana Francesa. Já nessa época, os pilotos do Correio Aéreo tinham grande experiência em navegação estimada e observada pela prática que haviam adquirido nas viagens das linhas pioneiras para o interior do país.
Em 28 de janeiro de 1942, o Brasil comunicou o rompimento das relações diplomáticas com as potências do Eixo: Alemanha, Itália e Japão. Nesse mesmo ano, os submarinos do Eixo afundaram cerca de 18 navios brasileiros. O Brasil declarou guerra ao Eixo em agosto.
Com auxílio dos americanos, foram cons-truídas várias bases aéreas no litoral Norte e Nordeste brasileiro com o objetivo de dar apoio às forças aliadas em operação na África.
A Força Aérea Brasileira ainda era muito pobre em aviões para operações de guerra. Por essa razão, cumpria, no Nordeste, missões de patrulha com aviões monomotores reforçados por poucos bimotores.
Tendo em vista essa situação, o Comandante da IV Esquadra americana e o Ministro da Aeronáutica do Brasil, no segundo semestre de 1943, criaram um curso para formação de tripulações para Esquadrão de Patrulha equipadas com aviões PV-1. Para não desfalcar muito os efetivos das bases, o curso foi feito em três turmas, que tiveram sua instrução iniciada em 1º de outubro de 1943. Foram formados 36 pilotos e 81 especialistas (QAv, QAr e QRTVo). Além das táticas de patrulha, os pilotos fizeram curso de navegação e de vôo por instrumentos/radar.
Como dissemos anteriormente, a Campanha Nacional de Aviação deu origem a um grande crescimento no número de aeroclubes no território nacional. No início de 1940 eram apenas 48, mas já em dezembro esse número subiu para 94, continuando a crescer muito nos anos seguintes.
Os leitores, com certeza, hão de reconhecer os benefícios que esses aeroclubes acrescentaram ao desenvolvimento dessas cidades, quer pela facilidade de comunicação entre elas, melhoria para o comércio, criação de milhares de empregos diretos e indiretos, elevação no nível cultural dessas populações, etc. Na verdade, tudo é decorrente da implantação das linhas interiores pioneiras do Correio Aéreo!
Com a unificação dos Correios Militar e Naval, o Correio Aéreo Nacional, CAN, surgiu mais forte. Muitos de seus pilotos, com vasta experiência aérea, foram para as bases do Nordeste. Este desfalque foi coberto com a convocação de pilotos civis e, posteriormente, com centenas de pilotos da reserva formados no Brasil e, principalmente, nos Estados Unidos.
O Brasil, que continuava com uma infra-estrutura paupérrima de ligações terrestres, aumentava suas ligações aéreas de uma forma geométrica. Em todas as cidades em que havia estrada-de-ferro, os pilotos utilizavam o sistema de comunicações das estações das estradas-de-ferro para dar notícias em caso de necessidade. As estações, em seus telhados, indicavam o nome da cidade, com uma seta indicando a direção do campo e sua distância. Mais tarde, esse procedimento foi utilizado mesmo em cidades que não eram servidas por trens.
No mapa vemos as linhas de integração nacional do Correio Aéreo. O CAN estendeu a ligação do Brasil com o exterior, fazendo escala em dez países.
As empresas civis começaram a fazer a expansão de suas linhas e a criar novas linhas já visando o interior do país.
No Brasil, nesse período de explosão dos aeroclubes, surgiram as primeiras indústrias aeronáuticas para fabricação de pequenos aviões. Anteriormente, como em 1922, já havia sido feita uma experiência, mas sem bons resultados. Já na década de 30 e no início da de 40, a mesma empresa chegou a fabricar mais de 500 HL-1.
Até o final da guerra, em 8 de maio de 1945, é criada a Linha Rio—Santa Cruz de La Sierra, com 2.200 quilômetros de extensão, logo depois estendida a Cochabamba e, mais tarde, a La Paz, cujo campo fica a 4.000 m de altitude. Inaugurada em 5 de março de 1946, a linha até La Paz já foi feita com avião C-47, enquanto as outras foram feitas nos Beechcraft bimotores.
O CAN estabeleceu linhas normais com 10 países da América do Sul.
O Correio, dentro de suas prioridades, dava apoio total aos educandários religiosos existentes no interior da Amazônia Legal. Eram padres e freiras que educavam o pessoal pobre da região e lhes transmitiam as regras básicas de higiene e educação. O importante é que os leitores saibam que esses religiosos, au-xiliados por seus alunos e voluntários, cons-truíram seus próprios campos de aviação, para uso do Correio.
Com o fim da guerra, milhares de aviões C-47 foram colocados à venda por um preço muito baixo. O Ministério da Aeronáutica, que já possuía centenas de aviões, inclusive aviões modernos de guerra — B-25, PVI, PV2 Catalina e outros — adquiriu dezenas de C-47 para substituir os aviões até então empregados na maioria das Linhas do Correio. Os pilotos que haviam feito, em Recife, o Curso de Patrulha, cujo término ocorrera em 30 de março de 1944, receberam 14 aviões PV-1 dos americanos, substituindo-os no desempenho dessas missões. Foram, após a guerra, transferidos para as unidades de transporte do Correio, no Rio, onde padronizaram todos os pilotos, antigos e modernos, na operação do avião, aí incluído o vôo por instrumentos.
Paralelamente, a Força Aérea começou a instalar suas próprias estações rádio e meteorológicas nas Linhas mais longas e difíceis, o que resultou em uma maior segurança das tripulações. Outro grande salto do Correio foi ter sido reconhecido, pelo Congresso Nacional, como uma Organização de Utilidade Pública, em uma homenagem que lhe prestou.
Apesar dos vários movimentos políticos ocorridos, o Correio mantinha seu objetivo mais importante: o desenvolvimento e a integração do país através da interiorização de suas Linhas.
Outro papel de destaque desempenhado pelo CAN foi a construção da nova capital do país, Brasília, que fica a 1.200 quilômetros do Rio. Por falta de qualquer ligação terrestre ou fluvial, os aviões do CAN transportaram milhares de toneladas de material de construção, máquinas pesadas e milhares de passageiros do governo.
Nesse ano de 1947, um grande pioneiro do Correio Aéreo, que realizou a primeira viagem em 12 de junho de 1931, já formado em engenharia, depois de muita luta, conseguiu criar o Centro Técnico de Aeronáutica, CTA, nos moldes do MIT, e cujos professores, em sua maioria, pertenciam àquela instituição e a outras do mesmo gabarito, cuja finalidade era formar engenheiros, de alto nível, para a indústria aeronáutica brasileira, nas várias especialidades.
Durante a guerra, além dos pilotos que fizeram o curso da United States Brazilian Air Training Unit, USBATU, e que substituíram os americanos no patrulhamento do litoral do Nordeste, o Brasil esteve presente com uma Divisão no Teatro Operacional da Itália, um Esquadrão de Caça e ainda uma Esquadrilha de Ligação e Observação. Essa participação da FAB na guerra foi muito importante para o Brasil.
Em conseqüência do êxito do CTA, já em 1969 foi por este criada a Embraer, Empresa Brasileira de Aeronáutica, e que hoje, já privatizada, fabrica aviões médios de transporte, a jato.
Com a extensão de suas Linhas, o Correio teve necessidade de um grande apoio na cons-trução de campos de pouso na Amazônia Legal e na manutenção dos já existentes, pois, em 1953, foi criado o Correio da Fronteira com os aviões de patrulha Catalina, adaptados para carga e passageiros. Esses aviões, que eram, em parte, anfíbios, passaram a ter necessidade de campos terrestres. O apoio à FUNAI, organização responsável pela assistência total às tribos de índios, nos lugares mais inacessíveis, deu origem à criação de uma organização, pelo Ministro da Aeronáutica, com sede em Belém. Existente até hoje, a Comissão de Aeroportos da Região Amazônica (COMARA) já construiu centenas de campos de pouso de todas as categorias e asfaltou dezenas deles. Os seus equipamentos pesados são transportados por barcaças, aviões ou helicópteros, porque não existe qualquer ligação terrestre. Há campos no interior da floresta amazônica cuja construção foi uma odisséia. O apoio a essas tribos é muito importante, pois o avião é o único meio de socorrê-las em caso de epidemias, etc.
Há outras entidades de apoio ao Brasil Central que também têm no apoio do Correio Aéreo seu instrumento mais importante.
Outro papel de destaque desempenhado pelo CAN foi a construção da nova capital do país, Brasília, que fica a 1.200 quilômetros do Rio. Por falta de qualquer ligação terrestre ou fluvial, os aviões do CAN transportaram milhares de toneladas de material de construção, máquinas pesadas e milhares de passageiros do governo. A primeira grande ligação terrestre feita dentro da Amazônia Legal foi em 1960 — a Rodovia Belém–Brasília, que não era pavimentada naquela época. A outra rodovia, a Transamazônica, que ligava o Maranhão ao interior do Pará, foi destruída pelas chuvas.
Como podem imaginar os leitores, a cons-trução dessas estradas teve também o apoio do Correio. Por esta razão, vários campos foram construídos ao longo delas, para transporte de fiscais ou doentes. Por essa ocasião, o Correio já usava aviões de transporte de carga com capacidade bem maior que a do C-47.
Em decorrência de acordos com os Estados Unidos, a Força Aérea recebeu, em 1952, alguns aviões B-17 e outros mais a partir de 1954. Em 1957, o Brasil enviou, a pedido da ONU, um Batalhão de Infantaria para a faixa de Gaza como parte da força de policiamento, composta por vários países, no conflito árabes x judeus. Sendo o único avião capaz de cumprir a missão do Correio para Suez, o Grupo de B-17 colocou à sua disposição, mensalmente, um avião para fazer a Linha Suez. Em 1961 ela passou a ser feita com os aviões DC-4 e, posteriormente, com aviões C-130 que, inclusive, fizeram a substituição do pessoal até o término da missão.
Na década de 60, o Correio Aéreo já possuía cerca de 60 aviões C-47 e vários Catalinas empregados no Correio da fronteira, além de outros tipos de aviões de carga. Para que os leitores tenham uma idéia da importância de suas linhas, normalmente estavam em rota cerca de 25 aviões, todos controlados por uma grande unidade, o Comando de Transporte Aéreo (COMTA), criado em 1951.
Tendo em vista o recebimento de razoável número de aviões com grande capacidade de carga, foram criadas as linhas-troncos, isto é, os cargueiros transportavam grande quantidade de carga para os lugares mais distantes e os C-47 que já começavam a ser transferidos para esses locais faziam a distribuição regional. Foram também construídas algumas bases no interior da Amazônia para dar maior apoio aos aviões do Correio e, obviamente, para ajudar o desenvolvimento dessas regiões e assegurar a soberania do país.
Com o acréscimo de 12 aviões C-54 no início dos anos 60, depois substituídos pelos DC-6, houve um aumento muito grande no número de passageiros transportados, cuja maioria era constituída por militares das três Forças e seus familiares.
O país hoje, janeiro de 1999, já possui grande número de estradas de rodagem pavimentadas, mas acreditamos que esse número ainda seja muito pequeno. Estradas de ferro são muito poucas e deficientes.
Por essa razão, o avião continua sendo o meio de comunicação mais utilizado, seguido do transporte por ônibus. O transporte de passageiros por navios de cabotagem, ao longo do nosso imenso litoral, praticamente não existe. O avião, além do grau de segurança que oferece, tem o fator tempo como o seu maior trunfo.
Considerando a imensidão da Amazônia, o tráfego internacional de tóxicos e o contrabando de ouro e de madeira adotaram seu território para ser a região ideal para sua negociação, pois é impossível, com os meios à disposição do Governo, atualmente, impedi-lo ou até mesmo reduzi-lo. Assim é que existem dezenas de pequenos campos de pouso clandestinos na floresta, às vezes em parceria com tribos de índios, o que impede uma fiscalização eficiente.
Tendo em vista motivar a juventude universitária a conhecer o Brasil do interior e sua população pobre, com assistência médica e odontológica insignificante, o Governo criou o Projeto Rondon, cuja finalidade principal era fazer com que os estudantes universitários prestassem assistência a esses irmãos brasileiros até então tão isolados. Desenvolvido o Projeto, foram escolhidas várias cidades da Amazônia Legal. O problema maior era o transporte de parte do grande número de candidatos inscritos. Consultado o Comando de Transporte Aéreo, o Correio foi acionado e, através de uma ponte aérea, levou e trouxe os estudantes em sua primeira viagem. O resultado foi tão grande que houve ano em que viajaram mais de 2.000 estudantes. Houve universidades que transferiram parte de seus campi para determinadas regiões, tendo ficado lá quase um ano. O sucesso desse projeto foi imenso. Muitos desses estudantes, depois de formados, retornaram a essas regiões casados com colegas. Outros, solteiros, constituíram suas famílias nesses locais.
Estamos vendo que o Correio Aéreo sempre cooperou ou esteve pronto para participar de qualquer atividade que possa beneficiar o país. Os professores, quase sempre, quando havia hospitais nessas cidades, ministravam cursos de atualização aos profissionais da saúde. Os laboratórios forneciam grandes quantidades de remédios, grátis, aos organizadores das viagens. Infelizmente foi esquecido o Projeto Rondon.
Dentro desta situação crítica e inaceitável, o Governo, através da Secretaria de Estudos Estratégicos e do Ministério da Aeronáutica, decidiu pela implantação do Projeto SIVAM, Sistema de Vigilância da Amazônia, onde haverá uma rede de radares que cobrirá todo o território amazônico, centenas de plataformas e vários centros de controle, onde serão processadas todas as informações sobre o tráfego aéreo, condições meteorológicas, desmatamento, incêndios, etc. No que diz res-peito ao tráfico de drogas e contrabando, haverá unidades da Força Aérea com esquadrões de aeronaves Super-Tucanos, armadas para destruí-lo.
O projeto inclui também oito aviões ERJ-145, a jato, adaptados com radares especiais, de fabricação sueca, operando 24x24 horas e fazendo a varredura de todo o território amazônico. A implantação do projeto, iniciado há quase dois anos, está dentro do cronograma previsto para estar terminado em 2003. Acreditamos que já no ano 2000 parte do sistema já possa ser utilizado no combate às queimadas, ao desmatamento e até ao tráfico de drogas.
O Brasil, ainda com o seu grande problema de comunicação terrestre, principalmente na Amazônia, por seus grandes rios, florestas impenetráveis, milhares de km2 inundados, ainda vai depender, por muitas dezenas de anos, da aviação militar para minorar, também, os efeitos terríveis provocados pelas doenças endêmicas, tão difíceis de serem vencidas.
Temos a certeza de que demos aqui uma pequena idéia do trabalho fabuloso que a Força Aérea, através do seu Correio Aéreo Militar, que depois de fevereiro de 1941 passou a ser chamado de Correio Aéreo Nacional, CAN, realizou em benefício do desenvolvimento e da integração do nosso país e na melhoria da vida do nosso povo.
Como ex-participante, por muitos anos, do Correio Aéreo, sentimo-nos muito orgulhosos de termos tido a oportunidade de dizer alguma coisa sobre o que fizeram os nossos companheiros mais antigos, os verdadeiros pioneiros dessa grande missão, cujos objetivos principais ainda são desenvolver e integrar o nosso Brasil!
Bibliografia
1. História Geral da Aeronáutica Brasileira, volumes 1, 2 e 3.
2. José Garcia de Souza, A Epopéia do Correio Aéreo.
3. Rubens Rodrigues dos Santos, Aeroportos: Do Campo de Aviação à Área Terminal.
4. Nelson F. L. Wanderley, Efemérides Aeronáuticas Brasileiras.
5. Revista COMARA, Dezesseis Anos.
Colaborador
O Coronel Aviador Reformado João Vieira de Sousa ingressou na Escola de Aeronáutica em abril de 1943 e foi declarado aspirante em dezembro de 1945. Possui os cursos de Tática Aérea, Estado-Maior e Superior de Comando, Tática Anti-Submarino, Cursos Superiores de Guerra Aérea e Entre Armas, na França. Qualificado em missões de Bombardeio (B-25), Transporte (Loadstar, C-47 e C-54), Reconhecimento Aerofotogramétrico e Meteorológico (B-17), Busca e Salvamento (B-17) e Patrulha (PV1 e PV2), atingiu 9.000 horas de vôo, das quais 4.000 no Correio Aéreo Nacional. Desempenhou as funções de Instrutor de Vôo, Instrutor da Escola de Estado-Maior da Aeronáutica, Comandante de Esquadrão (B-17), Chefias das Seções do Estado-Maior da Aeronáutica e Comandante do Parque de Material de Recife. Atualmente o Cel. Vieira de Sousa é o Vice-Diretor do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica.
As opiniões expressas ou insinuadas nesta revista pertencem aos seus respectivos autores e não representam, necessariamente, as do Departamento de Defesa, da Força Aérea, da Universidade do Ar ou de quaisquer outros órgãos ou departamentos do governo norte-americano.
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